sexta-feira, 24 de junho de 2011

El paso al final



Capablanca é conhecido principalmente pela sua maestria nos finais de partida. Ele era capaz de detectar os mais importantes elementos da posição e, dessa forma, escolher o melhor plano possível ou forçar o final sem correr maiores riscos. No entanto, numa análise mais profunda, é possível perceber que o que de fato dava a ele a possibilidade de jogar bem seus finais era a iniciativa, mesmo que pequena, com a qual ele costumava chegar a essa fase do jogo. Essa sua característica brilhante deu a ele a fama de vencer as partidas de forma natural e sem grandes sobressaltos, o que causava pânico aos seus adversários.

A passagem para o final é um tema importantíssimo a ser discutido e analisado profundamente por aqueles jogadores que se dedicam a aumentar o nível de jogo e não sabem por onde começar, pois não conseguem definir onde fica o seu próprio "calcanhar de Aquiles". Uns pensam que seu problema está na abertura, Tenho um péssimo repertório, dizem. Outros pensam que está no final, Preciso urgente estudar final, dizem esses por sua vez. No entanto, o que eu pude perceber por experiência própria e na conversa com diversos alunos, é que a formulação do plano de jogo é o que mais prejudica as escolhas durante uma partida. Isto é, ao não perceberem as demandas de uma determinada posição é lógico que não irão escolher bons planos e, por consequência, realizarão maus lances. É comum no xadrez o ditado "melhor um plano ruim do que plano nenhum", podemos ampliar essa compreensão ao afirmar "melhor um plano bom, do que um plano ruim". Para isso é preciso muito trabalho e o estudo da passagem do meio-jogo para o final pode prestar fundamental auxílio.

A posição de meio jogo mostrada abaixo foi jogada na última rodada da final do campeonato gaúcho de 2008, entre Felipe Menna Barreto e Darlan Veit - portanto, por assim dizer, essa foi a partida que decidiu o título. Nessa partida a passagem para o final se mostrou de forma decisiva e não somente o final em si como muitos poderiam avaliar.


Não é difícil perceber que as brancas estão com uma posição muito mais confortável. O rei no centro não consegue segura morada nem na ala do rei e nem na ala da dama e o peão débil de d6 sofrendo pressão constante são as principais dificuldades com as quais o preto tem que lidar. No entanto, apesar disso tudo, não se vê uma forma clara e imediata para o branco conseguir uma vantagem decisiva, embora possamos elaborar pelo menos dois planos básicos:

1. ataque direto ao rei no centro, mas com algumas dificuldades técnicas como no caso de: 1. Cd5+ Cxd5 2. exd5 Dxc4 3. Bxg5+ Rd7 (3. ... hxg5 4. Tac1 vencendo facilmente depois de 5. Dxg5+ e 6. dxe6+) 4. Bxh6? Dd5! 5. Tac1 (5. Dxd5 Tc2+ com empate garantido) 5. ... Dh4 e agora é o rei branco que corre alguns perigos.

Claro que ao invés de 4. Bxh6? as brancas podem jogar simplesmente 4. Tac1 Dxa2 4.Dd4, mantendo todas as vantagens de sua posição, apesar de 4. Cc5 ainda dar ao negro boas possibilidades práticas na partida.

Não é nada fácil avaliar essas variantes no calor da partida (sem esquecer que essa partida valia o título), ainda mais quando está em jogo o sacríficio do peão de c4 e logo depois sacrifício de peça em g5, o que definitivamente não vai muito com o estilo do Felipe. Portanto, é de se esperar que ele tenha escolhido uma forma mais pacífica e menos comprometedora de levar a sua posição para um final com uma pequena, porém segura iniciativa.

2. jogo seguro, porém energético: essa energia consiste em segurar a posição fazendo sempre lances que explorem a deficiência da colocação das peças adversárias, além de punir severamente a falta de energia dos lances do oponente como no caso da presente partida. Seguindo essa linha Felipe tomou o cavalo de d5 após 1. Cd5+ Cxd5 com o peão de "c" e não com o peão de "e". 2. cxd5 agora o ataque direto ao rei não é mais possível e se inicia a passagem para o final. 2. ... Dc2 3. Tac1 as trocas de peças sem dúvidas aliviaram a pressão sobre o rei preto, mas é preciso avaliar com cuidado os novos aspectos da posição de final que está prestes a surgir.

3. ... Rd7? avaliando-se com precisão esses novos aspectos, com certeza esse erro poderia ter sido evitado. Era necessário mais do que nunca que o cavalo entrasse em jogo 3. ... Cc5, aproximando-se bastante do empate e evitando a futura triste má colocação desse cavalo. 4. b4! privando o cavalo das casas a5 e c5, setenciando-o à passividade. É importante notar também o papel que exerce o peão em d5 ao controlar as casas c6 e e6, restringindo mais ainda os movimentos do cavalo. 4. ... b5 5. Txc8 Txc8 6. Tc1 as brancas buscam as trocas a todo custo, a fim de reduzir o material, deixando somente as peças que causam desequilíbrio na posição, ou seja, o bispo branco e o cavalo negro. 6. ... Txc1 7. Bxc1 exd5 8. exd5


Em tese, explorar uma fraqueza só não vence jogo, é preciso mais de uma para poder descoordenar as forças do adversário. Portanto, o plano do branco a partir daqui é em essência bem mais simples: criar uma fraqueza na ala do rei para explorá-la juntamente com a falta de casas do cavalo negro.

8. ... f5?! era necessário manter a estrutura na ala do rei com 8. ... f6 por exemplo. Agora a tarefa do branco se torna mais fácil. 9. h4 gxh4 10. Bxh6 hxg3 11. Rxg3 o alvo foi criado em f5 e o rei branco poderá penetrar. O resto é fácil. 11. ... Re7 12. Bg5+ Rf7 13. Rf4 Rg6 14. a3 a5 15. Be7 a4 16. Bg5


As negras se encontram irremediavelmente em Zug, mas resolveram, em todo o caso, jogar mais alguns lances. 16. ... Rg7 17. Rxf5 Rf7 18. f4 Rf8 19. Re6 Re8 20. f5 1-0



Para finalizar deixo para a apreciação de todos uma tradução feita por mim de uma pequena parte do livro mostrado logo no início dessa postagem. O trecho escolhido faz parte da conclusão do primeiro capítulo intitulado "Pasamos al final?" (pag. 23 e 24). Essa conclusão vem logo após os autores terem analisado uma bela partida conduzida por Keres de pretas contra Reshevski. Boa leitura.

----

Depois de analisar este final, executado com habilidade pelas negras, o leitor se perguntará: mas, por acaso poderiam, mesmo enxadristas tão destacados como Keres e Reshevisk, prever (e calcular!) todos os pormenores do final surgido? Claro que não! Aqui falamos de uma minuciosa compreensão das particularidades ao avaliar uma posição no final. Para tal avaliação se utilizam os seguintes critérios básicos: a respectiva posição das peças (sua atividade comparativa); a posição dos reis, a possibilidade de sua rápida centralização (destaquemos que os finais de peças pesadas podem ser uma excessão); por último, a posição dos peões (a presença de peões passados ou a possibilidade de obtê-los). Para se aperfeiçoar e se desenvolver rapidamente, um enxadrista qualificado deve aprender a solucionar corretamente as questões que se apresentam durante a passagem ao final, pois essa transição é um dos momentos primordiais para aproveitar a vantagem existente.

A. Alekhine, mestre do jogo combinativo, escreveu na observação de uma partida: “cada enxadrista deve tratar de solucionar o problema de vencer sem temer as trocas. A complicação da posição é uma medida extrema que deve adotar-se somente quando o enxadrista não encontra um plano claro e lógico a seguir”.

Por outro lado, o mesmo processo – a passagem ao final – é utilizado com frequência para se obter objetivos contrários: para salvar ou defender uma posição difícil. Para isso é necessário prever e detectar, já durante o meio-jogo, as possibilidades de empate que pode conter o futuro final.

É evidente que isso requer sérios conhecimentos teóricos dos finais e com o desenvolvimento da teoria do xadrez, muitas posições técnicas se converteram em posições que não requerem avaliação e cálculos especiais, pois devem ser conhecidas simplesmente de memória. J. R. Capablanca, dizia: “Pode-se analisar o final separadamente das demais fases, mas não se pode estudar nunca o meio jogo independente do final. Tampouco pode-se analisar a abertura por si só, mas sim, pelo contrário, sempre em conexão com os possíveis planos do meio jogo e final”.




5 comentários:

  1. Caro Eider,

    Vc tem este livro em Pdf?

    Abraço

    ResponderExcluir
  2. Na posição do último diagrama, eu jogaria Ca5. Perde igual, mas criaria um pouco de confusão hehehe. Abraço!

    ResponderExcluir
  3. Olá, Israel!
    Seguinte, não achei esse livro em PDF, mas te indico esse blog que tem muitos livros pra baixar (muitos mesmo!) e bons. http://matika-chessismylife.blogspot.com/

    Anônimo, o problema é que depois que o branco faz dama tem mate direto em dois. Dg8+ seguido de Dh7++.

    Obrigado pelos comentários.

    ResponderExcluir
  4. Já te disse que eu achei boa a tradução que fizeste? Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Belo blog, Gaucho !!! conseguiu voltar pra sua terra?? hauhauhau
    abrass

    ResponderExcluir