quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O ''enfant-terrible'' de Baku!

Dr. Ronald Câmara

Atualmente, Garry Kasparov, de 16 anos, é a maior sensação do xadrez mundial. Com seu extraordinário triunfo no torneio internacional de Banja Luka, superando ases consagrados como Tigran Petrosian, Ulf Anderson e Jan Smejkal, esse jovem valor passou a ser comparado com os maiores prodígios da história do xadrez.
Há pouco, na vil Espartaquíada Estival dos povos da URSS, “o astro de Baku” voltou a brilhar intensamente, demonstrando a sua notável capacidade enxadrística, ao defender o 2º tabuleiro da equipe da república de Azerbaijão.
Entre suas “vítimas” nesse certame figura o conhecido grande-mestre Lev Polugaievsky. De resto, esta foi a segunda vez que Polugaievsky foi derrotado por Kasparov. No último campeonato da URSS, esse jovem ás do tabuleiro impôs-se brilhantemente, com um inspirado sacrifício, diante de tão categorizado adversário.
Agora, Kasparov voltou a vencer Polugaievsky, superando-o num instrutivo final de torres, repleto de nuances e ensinamentos. 

VII Espartaquíada Estival dos Povos da URSS
Frunze, 13 de julho de 1979
PR – Defesa Siciliana (E85/c)
Brancas – G. Kasparov
Pretas – L. Polugaievsky

1.e4 c5 2. Cf3 d6 3.d4 cxd 4. Cxd4 Cf6 5. Cc3 e6 A variante da Siciliana decorrente dessa formação leva o nome de Sheveningen, por ter sido popularizada no torneio internacional efetuado nessa cidade holandesa em 1923. A sua ideia é obter uma vantagem no centro, com dois peões pretos de e6 e d6 superando a ação do peão branco e4. A principal obejeção contra esse sistema é o seu caráter passivo, não possuindo o dinamismo dos outros esquemas da Siciliana.

6. Be3 a6 7.g4! Este lance caracteriza “o ataque Keres diferido”. Na realidade, este avanço é feito na jogada anterior e foi assim que Paul Keres jogou na sua famosa partida contra Bogoljubov, no Torneio de Salzburgo, 1943. O seu obejtivo é evidente: efetuar um ataque à baioneta, utilizando para isto os peões da ala do rei.

7. ... Cc6 Merece consideração neste momento 7. ... h5, como ocorreu na partida R. Câmara x S. Schweber, Zonal Sul-Americano de 1960. O detalhe é que, neste caso, a continuação 8.g5 permite 8. ... Cg4!, pedindo explicações ao importante prelado de e3.  8. g5 Cd7 9. Tg1 Be7 Uma alternativa mais dinâmica é 9. ... Dc7 10.f4 b5 11.a3 Tb8 12. Dd2 Cc5, com chances recíprocas como evidenciou a partida Sax x Tringov, Torneio de Osijek, 1978.

10. h4 é também viável 10. Dh5 0-0 11. Tg3, com forte ataque. 10. ... 0-0 11.h5 C(d7)e5 12. Cxc6 Cxc6 13.f4 b5 Comparando com a avalhancha de peões brancos ao roque inimigo, o contra-ataque da pretas é bastante modesto. 14. Df3 Bb7 15. Bd3 Cb4 16.f5 exf 17. Dxf5 Cxd3+ 18.cxd3 Dc8 As pretas procuram atenuar os efeitos de uma abertura defeituosa entrando num final materialmente equilibrado. 19.. h6 Te8 Era demasiado arriscado 19. ... g6 em vista de 20. Cd5 gxf5? 21. Cxe7+ Rh8 22. Bd4+, com complicações favoráveis às brancas.

20. hxg7 Dxf5 21.exf5 Bxg5 22. Txg5 Txe3+ 23. Rd2 Tf3 24. Ce4 Bxe4 25.dxe4 Após simplificações, chegou-se a um final de torres sumamente curioso, com vantagem estratégica para as brancas, graças ao seu insinuante peão de g7 e a posição ativa do seu rei.

25. ... Te8 26. Tc1 Começam a surgir os detalhes táticos do final: o mate em c8 defende indiretamente o peão de e4. 26.d5?! De valor duvidoso, este lance transforma uma situação inferior em comprometida. Era preferível 26. ... Tf4, embora com 27. Tc6 as brancas dominassem as ações. 27.e5 h6 28. Th5 A tentadora continuação 28.f6? Seria refutada mediante 28. Tf2+, uma vez que 29. Re3 ensejaria 29. ... Txf6!, com vantagem para as pretas. 29. Txe5 Toda a defesa de Polugaievsky foi calculada nesta captura. Não servia 28. Rxg7 29. Tg1+ Rh7 30.e6 fxe6 31. Tg6! Seguido de mate.

29. f6! Esta “finesse” decide a partida, confirmando o truismo enxadrístico: “toda combinação tem por base um ataque duplo”. No caso, a ameaça de captura da torre e mate destroem todas as esperanças das pretas.

29. ... Tf2+ 30. Rd3 Tf3+ 31. Rd4 Te4+ 32. Rxd5 Te8 33. Txh6 Tf5+ 34. Rd4 é bastante instrutiva a manobras do rei branco para anular os xeques das torres pretas. 34. Tf4+ Rc5! 35. Tf5+ Era igualmente perdedor 35. ... Tc8+ 36. Rd5 Tf5+ 37. Re4 e ganha. Por outro lado, não servia 35. ... Txf6 por causa de 36. Txf6 Tc8+ 37. Tc6! Com fácil triunfo. 36. Rb6 Te6+ 37. Tc6! As pretas abandonaram. Somente à custa de uma torre o mate poderia ser evitado. Uma eloquente produção do “enfant terrible” de Baku!





Resgate Histórico - Crônicas do Dr. Ronald Câmara




Dr. Ronald Câmera, bi-campeão brasileiro nos anos 1960-61. Além de um forte jogador que muito contribuiu para o desenvolvimento do xadrez brasileiro e latino-americano, deixou uma vasta obra literária de muita qualidade relacionada ao nosso esporte. Suas crônicas publicadas num período de 10 anos (de 1979 a 1989) nos jornais ''O Povo'' e ''Diário do Nordeste'', retratam um período de glória do xadrez no mundo, como por exemplo, o surgimento, a ascensão  e a obtenção do título mundial do melhor jogador de xadrez de todos os tempos: Garry Kasparov. 

Vale lembrar que, a partir dos esforços do Dr. Antônio Fabiano Ferreira Filho, já tivemos ano passado o prazer de ter acesso em PDF à uma obra imprescindível para nós enxadristas brasileiros: O livro ''Peões na  Sétima'' também de Ronald Câmara. Agora, novamente pelo esforços do Dr. Fabiano e à generosidade da esposa do autor, Senhora Rita Câmara, teremos a oportunidade de revitalizar suas crônicas que serão publicadas aqui neste blog. 

Tive a tarefa de digitar e atualizar a notação das partidas para o sistema algébrico das versões scaneadas que foram me passadas - além de tranferir as análise do Dr. Câmara para um arquivo em PGN. 

No próximo post, será publicada a primeira crônica que escolhi: ''O ''enfant-terrible'' de Baku'', na qual em 1979 Dr. Ronald não poupa elogios ao ainda adolescente de 16 anos que a partir de meados da década de 80 iria assombrar o mundo por 15 anos consecutivos como campeão mundial. 

Tenho certeza, amigo leitor enxadrista, que teremos ótimos momentos de leitura. Apreciem sem moderação.