Dr. Ronald Câmara
Em Riga, uma inglesa foi impiedosamente
trucidada, depois de sofrer as maiores vicissitudes. O palco dessa
tragédia foi o teatro Raino Daib, por ocasião da 2ª rodada do torneio
interzonal ora em curso na Capital da Letônia, tendo como implacável algoz o
ex-campeão do mundo Miguel Tal e vítima inerme o conhecido grande-mestre Lev
Polugaievsky.
De
natureza eclética e plena de possibilidades estratégicas a inglesa situa-se
entre as mais sólidas e populares linhas de jogo. Por que então esse
surpreendente revés? Quais os motivos desse resultado?
Foi
ocasionado pela disparidade de forças entre os contendores ou deveu-se ao
aparecimento de um fato novo, capaz de mudar o panorama da luta?
O
desenrolar desse empolgante duelo mostra que essa última circunstância foi
preponderante, surgindo em cena uma variante contra a inglesa de grande valor
teórico e fadada a alcançar enorme repercussão.
Além
disso, Miguel Tal reviveu todo o esplendor dos seus melhores dias, atuando com
rara inspiração e extraordinária habilidade, numa expressiva demonstração de
seu exuberante talento e capacidade combinatória.
Eis
como aconteceu “o martírio da inglesa”:
Torneio
interzonal A
Riga, 6 de
setembro de 1979.
Abertura
Inglesa (R-44/b)
Brancas –
Lev Polugaievsky
Pretas –
Miguel Tal
1.c4 c5 2. Cf3 Cf6 3. Cc3 d4 4.cxd Cxd5 5.e4 O lance do texto conduz a posições agudas e
ricas de possibilidades táticas. A alternativa 5.d4 desfruta da predileção dos
jogadores posicionais e um dos exemplos mais recentes é a partida Portisch x
Hubner, Montreal, 1979, apreciada em “Xeque-Mate” de 27.05.79)
5.
... Cb4 A continuação mais incisiva a troca 5.
... Cxc3 6.dxc3! Dxd1+ 7. Rxd1, garante às brancas promissoras perspectivas
como atesta a partida Benko x Seirawan, Lene Pine, 1978) 6. Bc4 As preferências se dividem entre esta jogada e 6. Bb5+.
Ambas são sobejamente conhecidas de Miguel Tal como evidenciam as suas partidas
com Poutiainen e Tukmakov, em 1977.
6. ... Be6 7. Bxe6 Cd3+ 8. Rf1 fxe6 9. Cg5 Posição crítica dessa variante. Neste momento
já foram tentadas as continuações 9. ... Cc6 e 9. ... Dd7. Ultimamente, essas alternativas
sofreram sério reveses. 9.
... Db6! Como costuma acontecer com toda ideia
nova: depois de descoberta parece simples e lógica. A defesa do peão de “e6” é
feita simultaneamente com o ataque ao ponto vulnerável “f2”. É incrível que uma
alternativa tão racional não tenha sido cogitada por abalizados pesquisadores
como Michael Stean, D. Moiseev e G. Ravinsky que publicaram extensas análises
sobre essa variante!
10.
De2 Contra Dd2, a melhor resposta é 10.
Df3! Como indicam diversos exemplos da prática magistral. Qual o motivo que
levou Polugaievsky a rejeitar essa continuação que é bem mais ativa? É provável
que, neste caso, Tal houvesse continuado da mesma maneira com 10. ... c4 e após
11. Df7+ Rd7!, seguindo eventualmente de h6 e Cc6, com promissora iniciativa. 10.
... c4 11.b3 h6 12. Cf3 É evidente
que 12.bxc Cf4, as pretas ganhariam uma peça. A opção atraente, porém, era 12.
Dh5+ Rd7 13. Ch3, conservando as chances na balança.
12.
... Cc6 13.bxc 0-0-0! A batalha
inicial foi ganha pelas pretas: além da superioridade em desenvolvimento, a
posição comporta grandes possibilidades de ataque que serão magistralmente
aproveitadas por Miguel Tal. 14.g3 Se
polugaievsky soubesse o que lhe reservava o futuro, teria preferido afastar o
incomodo corcel de “d3”, mediante 14. Cd5!? exd5 15. Dxd3, aliviando a pressão
em torno de seu rei.
14. ... g5 15. Rg2 Bg7 16. Tb1 Dc5 17. Cb5 g4 18. Ch4 Thf8 A supremacia das pretas é patente e a partir
deste instante a ofensiva é conduzida de forma precisa e elegante com todos os “condimentos”
que caracterizam o estilo de Tal: impetuosidade, intuição e senso tático. 19.
Tf1 Dxc4 É sempre agradável poder efetuar uma
captura que cria uma ameaça mortal: 20 ... Cf4+ ganhando a dama.
20.
De3 Seria funesto 20. Dxg4, por causa de
20. ... Cxf2 21. Txf2 Txf2+ 22. Rxf2 Tf8+ 23. Cf3 (se 23. Cf5 Txf5+ era
decisivo) 23. ... Ce5 24. Dxg7 Txf3+ seguido de mate. 20. ...Cxf2! Um engenhoso sacrifício que traz a marca inconfundível
do “genial combinador de Riga”. 21.
Cg6 A aceitação do cavalo teria sido
fatal: 21. Txf2 Txf2+ 22. Rxf2 (22. Dxf2 Dx34 era conclusivo) 22. ... Tf8+ 23.
Cf5 exf5, com fácil triunfo. Por outro lado, era também desastroso 21. Cxa7+
Cxa7 22. Dxa7 Dxe4+ 23. Rg1 Dh1++. 21.
... Td3 22. Ca3 Da4 23. De1 T(d3)f3 24. Cxf8 Cd3 25. Dd1 Após 25. De2,
surgiria 25. ... Cd4! 26. Dd1 Dxd1 27. Txd1 Tf2+ 27. Rh1 Cf3 com mate
inevitável.
25.
... Dxe4 Era também conclusivo 25. ... Dxd1 26.
Txd1 Tf2+ 27.
Rh1 Cd4 28. Bb2 Cf3! 29. Tbc1+ Rd8 30. Cxe6+ Rd7
31. Cf8+ Re8, seguido de mate. 26. Txf3
gxf3+ 27. Rf1 A situação das brancas
já é sem esperanças: se 27. Rh3? Cf2 mate, enquanto que 27. Rh1? F2+, seguido
de mate. Por outro lado, 27. Dxf3, permitia 27. ... Ce1+, ganhando a dama. 27.
... Df5! 28. Rg1 Bd4+ As brancas
abandonaram. Após 29. Rf1 Dh3 mate, ao passo que 29. Rh1 Cf2+ era fulminante.
Uma esplêndida partida de Miguel Tal.