quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Robert James Fischer revisitado


É comum de tempo em tempo sair reportagem sobre o lendário enxadrista Estadunidense Bobby Fischer em diversos veículos de comunicação. Não é para menos, pois a revolução que ele causou no mundo do xadrez é digna de ser lembrada, estudada e louvada sem sombra de dúvidas. Dessa vez a reportagem que saiu no jornal on-line britânico TheGuardian foi a respeito de uma entrevista feita com o atual campeão mundial, o indiano Vishwanatan Anand, na qual ele declara ter se encontrado com Fischer em 2006. Alguns detalhes do relato de Anand me perturbam desde que eu comecei a ler sobre a biografia do Grande Mestre que no início da década de 70 mudou o rumo dos acontecimentos do xadrez mundial. Pretendo nesse post comentar sobre alguns desses detalhes que na minha opinião fazem toda a diferença quando discutimos a repeito de Robert James Fischer.

Na primeira frase da entrevista Anand diz: " eu encontrei Bobby Fischer surpreendentemente normal e calmo". Baseado em décadas de um discurso preconceituoso a respeito da personalidade de Fischer, Anand esperava encontrar uma pessoa louca e descontrolada. Sabemos que a mídia enxadrística vem reproduzindo sempre a mesma coisa desde a década de setenta: excêntrico, maniático, esquizofrênico, paranóico e coisas mais nessa mesma linha de raciocínio. E conceituando-o dessa maneira tão veementemente e por tanto tempo acabou-se criando um senso comum muito forte na imagem desse gênio. O resultado é que não vemos mais os fatos com os nossos olhos e sim a partir de um discurso pre-estabelecido. Discurso esse que tem uma finalidade muito específica: silenciar a perigosa visão de mundo do maior jogador de xadrez de todos os tempos.



Perigosa pra quem? essa pergunta é muito ingênua pra ser respondida secamente. Mas lembramos que o auge do gênio em questão coincide com o auge da guerra fria onde tudo era uma questão de ponto de vista, de posicionamento e que as opiniões eram formadas a seu respeito levando-se em conta o lado em que se estava na luta política. Fischer, inevitavelmente, levava consigo o peso de sua nacionalidade para onde quer que fosse e era símbolo de uma ideologia capitalista anticomunista pautada pelo individualismo exacerbado. Portanto, podemos dizer sem medo de errar que ele não era visto com bons olhos pelo lado socialista do mundo - e, como sabemos, a nação ícone do socialismo era a união soviética que, por sua vez, dominava o cenário do xadrez mundial. Korchnoi, Petrosian, Spassky, Tal, são apenas alguns das dezenas de nomes que podem ser citados.

Como o xadrez acabou se tornando mais uma extensão da intensa luta política entre duas ideologias antagônicas que apenas se aproximavam em seus paradoxos, não era interessante para a URSS um herói norte-americano, sobretudo se esse herói fosse carismático. E Fischer em 1962 teve um dos seus maiores sucessos em sua curta trajetória no xadrez: ele venceu o Interzonal de Estocolmo com 2,5 de vantagem sobre os seus maiores rivais soviéticos, finalizando com 80% de aproveitamento e sem ter sofrido uma derrota sequer. Segundo Korchnoi nos conta em sua autobiografia intitulada no castelhano El ajedrez es mi vida... y algo más a imprensa soviética tinha grande influência sobre os meios de comunicação, ainda mais quando se tratava de xadrez e foi desde então que começou a campanha de difamação da personalidade de Bobby Fischer.

"Fischer comenzó a ser criticado en todo el mundo del ajedrez como una persona que se comportaba de forma inapropriada, causaba escándalos y violaba las reglas elementales de conducta, provocando innumerables problemas en los torneos tanto a los organizadores como a los participantes". (P.52)      

No entanto, Korchnoi na sequencia de seu relato, diz que pelo que ele recorda pouquíssimos jogadores tinham do que reclamar de Fischer, pois sua conduta diante do tabuleiro era impecável e que suas "chatices" em relação aos organizadores contribuiram de forma decisiva para a profissionalização do xadrez. Mas nesse momento os problemas com a imprensa e com a construção do discurso do senso-comum dos enxadristas pelo mundo todo tinha em contrapartida os meios de comunicação ocidentais que prestigiavam Bobby e faziam uso de sua imagem como propaganda política Estadunidense. Até então tudo ocorria bem para Fischer, pois era assim mesmo que funcionava o jogo de opostos na guerra fria - mal falado lá, bem falado aqui, não havia como ser diferente.

É quando as idéias políticas de Fischer começam a se tornar mais complexas e perigosas também para o ocidente que seus reais problemas com seu posicionamento perante as coisas do mundo iniciam. No entender dele os paradoxos da sociedade capitalista se tornam tão nocivos quanto os paradoxos da sociedade socialista. A "ditadura do capital" sustentada e legitimada pela aparente imaculável democracia é tão sanguinária quanto a "ditadura do proletariado" soviética. Tudo se mescla, o bem e o mal se fundem no turbilhão de idéias do gênio. Seu anticomunismo acaba se tornando também antimericano e ele solitário abandona tudo. Numa carta de boas vindas ao Ocidente destinada ao dissidente soviético Korchnoi, Fischer chama essas forças de Forças do Mal. Para tentarmos entender melhor essas idéias, abaixo disponibilizo essa carta traduzida por mim ao português:

Pasadena 9 de junho de 1977

Querido Victor, como está você?Fico feliz que as coisas estejam funcionando para você em sua nova vida. Eu vi seu amigo Ives Kraushaar hoje e nós nos demos muito bem. Fico feliz que ele esteja te ajudando a se ajustar à vida do ocidente. Por causa de minha atitude intransigente em relação ao comunismo, eu tive meus problemas, mas assim é a vida. Eu não acredito em comprometimento, acomodação e submissão ao mal. É assim que são todas as coisas. Espero te ver nos Estados Unidos, na Europa ou em qualquer outro lugar logo. 

Tudo de melhor e felicidades para você.

Bobby Fischer

Nessa carta fica claro o seu anticomunismo, mas se pensarmos no que ele diz a respeito de ser contrário ao "comprometimento, acomodação e submissão ao mal" talvez possamos pensar em algo muito mais abrangente. Em 1992 Fischer deliberadamente desobedece o decreto que diz que nenhum cidadão Estadunidense poderia em hipótese alguma entrar num país socialista sem autorização do Estado Americano: sabemos que ele jogou o match revanche comemorativo dos 20 anos de sua vitória pelo título mundial em 1972 contra Spassky na Ioguslavia que era um país de regime socialista. Na ocasião, Fischer cuspiu publicamente num documento oficial do estado americano que o proibia de entrar no país Ioguslavo, demonstrando total negligência com suas leis e com a sua própria cidadania. Essas idéias eram perigosas demais para a manutenção do status quo capitalista. Bobby se identificava com a luta de Victor contra as forças opressoras da ditadura soviética, pois ele mesmo tinha uma luta parecida no ocidente. Era preciso silenciar o seu discurso. Por essa razão a imprensa ocidental também comprou o discurso a respeito de Fischer que já era muito bem conhecido e aceito no leste europeu e começa a insistente reiteração às suas deficiências psicológicas. A idéia que até hoje é estampada em qualquer reportagem que tenha relação a Bobby Fischer é a de desvalorização de seus pensamentos, de seus discursos políticos, taxando-os simplesmente de paranóicos: não há como dar valor para o que um louco fala.

Voltando a entrevista citada no início do texto, Anand influenciado por décadas de prática discusiva sobre Bobby Fischer em Jornais, Revistas, Rádio e Televisão, não consegue ver outra coisa a não ser Bobby preocupado com gente que o esteja seguindo e segundo Anand isso simbolizava que sua paranóia nunca o havia abandonado. Talvez ele estivesse preocupado com jornalistas - apenas isso. 
 
Embora Fischer pudesse ter vivido uma vida muito bem ajustada como campeão mundial, com muito dinheiro e fama, ele escolheu ir para um outro lado na luta política mundial ao não se submeter, ao escolher um lado muito específico em sua ideologia quase anarquista, ao se negar ser marionete no complexo jogo das relações de poder. Num jargão muito bem conhecido pela psicologia podemos concluir que Robert James Fischer era um Desajustado.

Com a palavra Marthin Luther King:


                                                                                                    
Referências


KASPAROV, Garry. Meus Grandes Predecessores V.4. Ed. Solis. Santana de Parnaíba, SP: 2006

KORCHNOI, Viktor. El ajedrez es mi vida.... y algo más. Ed, Chessy. Santa Eulalia de Morcín, ES: 2010

http://www.guardian.co.uk/sport/2011/dec/02/vishy-anand-small-talk-interview

Bobby Fischer tells the truth nothing but the truth

http://www.youtube.com/watch?v=QryuMf8qZ0g Acesso em: 23/12/2011

Bobby Fischer Spits
http://www.youtube.com/watch?v=RjbaSVXUq5c&feature=related Acesso em 23/12/2011

                                                                                                                                                             

19 comentários:

  1. Na História todos os Historiadores tem o grande desafio de reconstituir o passado.Não nos enganemos pensando que tudo está lá e o que precisamos é apenas relatar.Há inúmeras dificuldades e obstáculos que precisamos superar e um desses são opiniões fabricadas ou equivocadas sobre certo assunto ou sujeito.Com Bobby Fischer não seria diferente.Para aqueles que tem um pouco mais de idade talvez seja mais fácil,mas para mim e para ti Eider é mais difícil pois quase tudo que Fischer fez ele fez antes de sequer termos nascido.O Xadrez nos conecta e de modo profundo pelas idéias,conexões que jamais serão quebradas.Ainda há muito que se dizer sobre Bobby Fischer e muitos ainda descobriram novas fontes e dados sobre esse caro amigo nosso e querido homem ao qual nós como entusiatas do jogo olhamos para.Em Fevereiro será mais um aniversário da morte de Fischer.Nesse dia lembremos dessa pessoa que nos propocionou tanto e que nós em verdade nem podemos dizer o quanto exatamente.

    Parabéns Bobby,parabéns Eider!

    MBS.

    ResponderExcluir
  2. Mais um post no mínimo espectacular teu Eider, que certamente abriu os olhos de mim e de muita gente que realmente pensava errado sobre Fischer. Muito obrigado por possibilitar mais esse conhecimento a nós! Ótimo saber da verdade, ótima a maneira com que escreveste o texto, estás de parabéns.

    Grande Abraço do amigo E. Pimenta

    ResponderExcluir
  3. Excelente artigo Eider.

    Pelos motivos que você expõe fica claro que a campanha de desmoralização do maior gênio do xadrez de todos os tempos interessa dos dois lados do "mal". O leste europeu desqualifica aquele que o derrotou no tabuleiro e o ocidente o desqualifica pela sua independência.

    ResponderExcluir
  4. Fischer,Mequinho,Kasparov.......Gênios do tabuleiros ,e na vida??Quase crianças,paranóicos,desajustados.Isso é o xadrez.......cuidado ai rapazes...O vírus pode contaminar vcs tb!E os arquivos secretos da KGB na guerra fria,que fala sobre o xadrez??Este produto pode ter mais de 1200 substancia stóxicas,portanto xadrez faz mal a saúde!

    ResponderExcluir
  5. Bob era um cagão, doente e louco! Teve medo de enfretar Karpov. Medo de perder, medo da verdade. Eu tenho muito dó dele. Morreu sozinho, ainda aos 64. Não temos que valorizar pessoas inúteis como Bob, que só pensava nele mesmo.

    ResponderExcluir
  6. Por que não houve uma partida sequer entre Garry Kasparov e Bobby Fischer?

    ResponderExcluir
  7. Não houve partida de Fischer contra Karpov ou kasparov.porque Fischer seria massacrado por qualquer um dos 2>Ele era louco mais não era burro!!!!!

    ResponderExcluir
  8. O QI de Fischer era 189,QI de super genio........Desperdicio......só usou no xadrez!Na vida foi um idiota completo,com mania de perseguiçao,paranoias e discriminação contra raça e credos!Não fez bom uso do que a natureza deu a ele!Pena......

    ResponderExcluir
  9. Parabéns pelo artigo amigo!

    O Bobby Fischer foi e será o maior jogador de xadrez de todos os tempos, o genio que profissionalizou e mais difundiu a nobre e milenar arte de Caíssa. Obrigado Fischer, descanse em PAZ.

    ResponderExcluir
  10. Excelente artigo.
    Pena que algumas pessoas estragam nos comentários...falar que Fischer seria massacrado pelo Karpov é um absurdo.

    ResponderExcluir
  11. Fischer foi na minha opinião o 2 maior jogador de xadrez de todos os tempos,só superado por Kasparov!E agora um anova ameaça a supremacia de Kasparov que é Magnus Carlsen!Só tempo dirá se superará a Kasparov!Ùltimo rating de Magnus Carlsen-2835...Mais alto rating da historia-Kasparov-2849!

    ResponderExcluir
  12. O maior rating atingido por Kasparov foi de 2851 segundo as minhas contas.Caso estiver errado,peço perdão,mas essa é a informação que tenho.
    QI 189:Primeiro,desde a década de 80 do século 20 o QI já não mostra quem é gênio ou não é.Há vários casos estudados pelo PhD Howard Gardner da Harvard University em que altos QI de muita baixa perspectiva de contribuição acadêmica e tecnologica desse indivíduos.
    Fischer vs. Karpov: Fischer atingiu um rating máximo de 2785 e Karpov de 2780.Cosiderando que jogaram mais ou menos com os mesmo jogadores isso é forte sinal de igualdade.
    Poderia perder para Karpov?Claro!Até mesmo Kasparov perdeu para Karpov várias partidas,porque Fischer também não perderia?Mesmo assim é um campeão mundial e merece muito respeito.Pode ser que ele não fosse o que consideramos "normal" ,mas até mesmo a Psicologia e Psiquiatria modernas tem dificuldades com esses termos que são amplamente discutidos e pouco usados com definidores.
    Não podemos menosprezar o clima da Guerra Fria,isso deixava muitas pessoas vivendo sob forte pressão e isso é inegável.
    O matemático prêmio nobel John Nash tinha um QI alto,um ótimo desempenho acadêmico,mas desenvolveu esquizofrênia e em seus delírios pensava estar ajudando o Governo contra a URSS.Quem diz que esse clima não pode ter sido um catalisador para seu caso?
    Fischer vs. Kasparov
    São quase 20 anos de diferença!São gerações a parte.Fischer seria muito velho e Kasparov muito novo.Valhe a experiência?Valhe,mas para passar horas em um tabuleiro ter uns 20 anos a menos é bem melhor.Seria colocar Mikhail Tal contra Karpov,é muita diferença entre as gerações.O caso Fischer está longe de ser encerrado e muito menos para dizer que Fischer era um medroso ou maluco ou um desperdício.Isso são soluções fáceis para quem não quer pensar.

    ResponderExcluir
  13. Highest rating Kasparov, Garry (RUS) - 2849
    Top 100 Players July 2000-Site da fide.Eo caso Fischer deveria já ter encerrado......Perder tempo com um babaca como ele,quenão via nada além do seu umbigo e seus comentarios sobre o xadrez em geral eram ridicúlos!Como diz Romário:Fischer calado era um poeta!

    ResponderExcluir
  14. O xadrez é universal! Depois desta excelente matéria agente lê cada comentário...

    ResponderExcluir
  15. http://xadrez.altervista.org/xadrez/MaioresRatings.htm Kasparov 2851 em 07/1999. E Fischer não vai ser resolvido tão cedo.Precisa de mais,muito mais.Continua sendo um dos maiores ratings da história do xadrez e influenciou muitas pessoas com sua capacidade.

    ResponderExcluir
  16. Bom,acho que o rating que vale é da FIde ne.......que esta no site!Consultem!E Fischer foi o mais dedicado e esforçado jogador de xadrez que existiu!O mais talentoso foi Capablanca!E só foi ganhar o titulo mundial pq safra soviética estava envelhecida,,,e a nova geraçao nao havia surgido ainda!Sem tirar os méritos de Fischer mas Spaski fez tudo de errado!Um dos maths mais facil que houve pra titulo mundial!¨6x3, na realidade foi 6x1 pró Fischer!

    ResponderExcluir
  17. Engraçado, quem está criticando o fischer, acho que não leu o texto principal, pois o texto trata justamente da imagem que passaram de fischer para nós. sendo assim, não poderiamos falar nada dele pois a maior parte das informações sobre ele estão em xeque!! ou seja, são duvidosas! e outra coisa, o fischer usou muito bem o seu QI, pois foi muito bom naquilo que fazia e ajudou um classe de pessoas com o seu conhecimento. A classe enxadrística! e olhe que são milhões de praticantes...

    ResponderExcluir
  18. Parabéns pela ótima matéria.
    Com certeza Bobby Fischer foi um dos maiores jogadores de xadrez de todos os tempos.Fischer vem de um tempo onde se jogava realmente xadrez, não havia chessbase para se consultar e outras facilidades que se tem hoje em dia,Fischer era um artista dos tabuleiros suas partidas são estudadas até hoje.Ele não era um Gm fabricado como tantos que temos hoje em dia.
    Quanto a kasparov apesar de ser um dos grandes do tabuleiro, é bem inferior a fischer, pelo fato de kasparov ter tido apoio da máquina soviética com recursos inimagináveis a sua disposição,algo que fischer não tinha.O nosso Mequinho também passou por muitas privações e mesmo assim foi o terceiro do mundo, o único brasileiro a chegar a essa posição.
    Aliás não temos nenhum brasileiro entre os 100 melhores enxadristas do mundo,o que é uma vergonha.
    Aqui nas Américas o único que parece que fez o dever de casa é o nosso vizinho Julio Granda com 2680 figurando na lista dos melhores.

    ResponderExcluir