domingo, 11 de dezembro de 2011

Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço - Parte I

Fim de ano! Festas! Férias! mais tempo para respirar. Não que eu não goste das minhas atividades do dia a dia, mas é que me sobra muito pouco tempo para me dedicar à arte, ao xadrez. E sem arte não há ser humano, isso é fato. Mesmo sem tempo para me dedicar eu digo que se dane e vou jogar, brincar, rir, perder, ganhar: experienciar o mundo através do xadrez já que ele se tornou parte essencial daquilo que me move.

E depois da minha viagem para Xaxim, joguei mais dois torneios bastante importantes e pude ver mais claramente algumas dificuldades técnicas minhas que são em essência (na minha opinião) problemas de formação do meu xadrez. Como nunca tive ninguém que me orientasse tecnicamente desde minha tenra infância enxadristica, sempre fui aprendendo as coisas tomando porrada mesmo. E tem coisas que por mais que eu tome porrada, simplesmente não aprendo (pra minha infelicidade possivelmente a maioria das coisas). Por isso no decorrer de algumas postagens pretendo apresentar 8 posições de partidas minhas jogadas nesse ano nas quais por algum motivo ou outro (ou por puro capivarismo mesmo) acabei não fazendo a escolha de plano mais adequada e não consegui explorar as oportuinidades que me apareceram nessas partidas que julgo estar dentre as minhas mais importantes desse ano.

Como não sou profissional do xadrez, me sinto a vontade para comentar sobre meus pontos fracos. Meu objetivo é compartilhar minhas experiências com meus alunos e todos os demais leitores do meu blog. Se esse material por ventura for usado contra mim em minhas futuras competições, como muitos já vieram me falar, isso muito pouco me importa. Alias, vou ficar até feliz por ter adversários me tornando mais forte ao tentar explorar meus pontos fracos.

A primeira posição que eu quero comentar vem da minha partida contra o Mestre Internacional Sérvio Dragan Stamenkovic. Tive a oportunidade de jogar contra ele na Final do Circuito Oncosinos de Xadrez Clássico.





A posição acima surgiu a partir do 20. Tfd1 por parte do meu adversário. Depois de uma intensa luta na abertura, consegui resolver muitos dos problemas que me foram apresentados. No entanto, me sobraram ainda dois problemas que são perigosos a longo prazo: a fraqueza dos peões de a7 e c5. Em contrapartida a essas fraquezas, consegui situar minhas peças em casas bastante ativas. Meu cavalo que pode causar problemas em f4 e meu bispo controlando a diagonal h1-a8 compensam a debilidade de minha estrutura. As torres dobradas na coluna "d" não me causavam tanta preocupação, pois acreditava que essa vantagem não era assim tão grande já que as outras peças não estão articuladas com esse domínio. Acredito que dá pra se dizer também que a atividade de minhas peças menores compensam a atividade das peças maiores do meu adversário. A partir do diagrama acima colocado, eu poderia ter jogado a seguinte variante que faria da tarefa de vencer do Mestre Internacional um pouco mais complicada: 20. ... Bd5! 21. Dxc5 único 21. ... Tfc8 22. Da3 Txc4 e se não fosse pelas possibilidades táticas do branco nesse momento a posição preta estaria em perfeita armonia. 23. Td1xd5 Txc2 Não exd5 por Txg6+ ganhando a dama. 24. Td1 Tac8 seguido Cf6-d5 e o negro não tem nada a temer.


Ao invés de entrar nessas complicações que senti muitas dificuldades de calcular durante a partida, resolvi jogar um lance mais simples e com efeito mais concreto e imediato: colocar problemas em cima do cavalo de f3. 20. ... Df6 O bonito desse lance também é que ele ativa a dama, centralizando-a. Veja o domínio das diagonais que cortam o tabuleiro que as peças negras possuem. 21. Ce1 Quando se tem que fazer um lance desses numa posição como essa é porque algo não vai bem. Mas não há outra opção: o Mestre Internacional teve que colocar o orgulho de lado e fazer o melhor lance que tinha a sua disposição, mesmo que ele faça doer os olhos a primeira vista. 21. ... Cf4 22. Rf1 apesar desses lances passivos é difícil encontrar alguma maneira de explorá-los de forma eficiente. Resulta que no final das contas o domínio da coluna d segura toda a posição branca. Por esse motivo 20. ... Bd5! recebe um ponto de exclamação, pois coloca em xeque essa soberania das torres ao controlar a importante casa d5. Agora c5 está caindo de maduro e é preciso defendê-lo. 22. ... Tfc8 23. De3 O famoso ditado: não tem o que fazer, melhora a posição das tuas peças. 23. ... g5 o meu plano é inicar uma avalanche de peões ao rei do meu adversário, jogar Rg7, uma das minhas torres por trás da tropa e confiar que atividade de meu cavalo e de meu bispo exerça pressão suficiente na posição do meu adversário - infelizmente o plano não saiu do papel, digo, da cabeça. 24. Td2 Rg7 25. g3 Cg6 26. Cd3 Df3 27. Dxf3 Bxf3 28. h3 h5? o erro que tira todo o orgulho da minha posição, o meu bispo de casas brancas. 29. Bd1 Bxd1 30. Txd1 Embora praticamente seja difícil converter essa posição, a partir desse momento o meu apuro de tempo aliado com as minhas debilidades fizeram com que meu forte adversário conseguisse o ponto depois de uma batalha bastante interessante.

No mesmo torneio, joguei pela última rodada contra o Dr. Antônio Rogério Crespo. Tenho Score francamente positivo na soma de nossos confrontos, mas como se mostrou mais uma vez: os tabus são feitos para serem quebrados. Depois do meu vigésimo lance a seguinte posição foi alcançada:



Não há porque eu não ser sincero: nesse momento eu senti que a fatura já estava liquidada. Mas é sabido, depois que as mãos já estão calejadas, que são esses os momentos mais importantes de uma partida e que não é permitida queda de rendimento, pelo contrário, é preciso estar ainda mais concentrado. Falhei mais uma vez nesse quesito. Tenho uma explicação muito peculiar para isso, quem sabe eu a exponha em alguma futura postagem. Os amigos que se interessarem podem me perguntar pessoalmente.


Ao que se refere à partida, eu tinha motivos muito bons para estar confiante, os pontos de ruptura estão dominados (c5, f6) e há fraquezas latentes nas casas pretas do meu adversário. Mas contra todos os meus prognósticos, Crespo que é conhecido por ser um jogador muito ativo e criativo lança sua ofensiva pelo centro, confiando em criar problemas pelo peão sacrificado a partir da exposição do meu rei. 20 ... c5! é incrível, mas nem sequer tinha calculado a possibilidade desse lance. Os meus subsequentes erros vieram a partir dessa surpresa. Temi de subremaneira 21. dxc5 De6, que coloca pressão imediata na coluna "e" e aparentemente coloca também à mostra as debilidades de meus peões "g3" e "g5". A partir dessa mudança no rumo dos acontecimentos e por consequencia da mudança das características da posição, não enxerguei o simples e vencedor 22. c6 Bxc6 23. Dxc6 Dxc6 24. Cf6 Dxf6 25. gxf6 Tad8 26. Bc6 Ao invés disso joguei 21. d5? e de pronto me vi em sérias dificuldades ao fornecer a casa e5 como trampolim central para as peças do meu adversário. 21. ... c4+ desc. 22. e3 Te5 Ainda consegui no decorrer da partida criar alguns problemas e no final inclusive ainda tive chances reais de vitória, mas acabei sucumbindo mediante um golpe tático já no apuro de tempo.


3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto e principalmente pela postura que descreve no terceiro parágrafo. É algo que sempre sigo e acho muito importante para o desenvolvimento do xadrez como um todo, eliminando aquela coisa individualista que geralmente acompanha os jogadores. Todos só têm a ganhar!

    Abraço!

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  2. Valeu, Gazola!
    Concordo plenamente - se cada sair pelo menos um pouquinho de dentro do universo minúsculo de seu próprio Ego, todos temos a ganhar.

    Abração!

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  3. Aprendo muito com teus posts e principalmente pela tua humildade. Tens muito o que muitos não possuem. Parabéns, continue assim.

    Budde.

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