terça-feira, 13 de setembro de 2011

Simultânea Vescovi/Kasparov x Eider Cruz - Empate! Parte I

Foram tantas coisas que aconteceram nessa última semana no Xadrez Gaúcho (e por que não Brasileiro?) que nem mesmo sei se posso fazer um relato cronológico consistente, coeso e conciso. Mas prometo que vou tentar.

Como de costume nessa época do ano em Porto Alegre, o clima estava estranho. Frio e sol forte: Ameno. Ideal para uma tarde que entra para a história. E muito gente esteve no Chalé da Praça XV para assistir de perto a lenda viva do Xadrez na tarde de 06 de setembro de 2011, véspera de feriado. Com certeza mais gente do que todos imaginavam. Inclusive pôde-se perceber claramente a surpresa do Vescovi e do Kasparov quando chegaram ao salão dos jogos. Olhavam para as pessoas do público que apertadamente disputavam um melhor ângulo para vê-los e se entreolhavam espantados.





Puxando a brasa para o meu assado, esteve lá minha mãe, meus irmãos e irmãs, meu sobrinho de apenas dois meses, minha namorada, minha cunhada, meu cunhado, amigos e colegas da faculdade. Alguns que curtiram muito o evento, mesmo sabendo pouco ou nada de xadrez. Quando o meu nome foi apresentado, se ouviu uma forte vibração do lado de fora. É sempre bom saber que se é muito querido pela pessoas que nos cercam. =)


Sentei na cadeira que me era destinada para jogar a partida. Peguei a caneta e num gesto mecânico, tantas vezes repetido, puxei a planilha e preenchi a data rapidamente, mas quando comecei a preencher o nome do meu adversário, foi como seu eu tivesse tomado um choque. Parei de pronto, olhei para os lados, para meus companheiros vizinhos e parceiros na empreitada, com o coração batendo no compasso de Caissa e disse: "Que coisa estranha escrever Kasparov na planilha". Não consegui me expressar de outra forma, acostumado que sou em escrever o nome de pessoas conhecidas, comuns, atingíveis, tocáveis. Foi uma experiência fora da realidade perceber que o que até o momento fora para mim um ícone, um símbolo, uma lenda que lia nos livros, nas incontáveis horas de estudos e fruição da arte do xadrez, que me encantava pelos seus lances, suas idéias novas e pela sua história, estaria dentro de instantes movimentando as mesmas peças que estavam à minha frente.

Mas como já tinha sido previsto, Kasparov jogou apenas o primeira lance de cada partida. Foi intercalando 1.e4 e 1. d4 nos tabuleiros, mas quando chegou no tabuleiro meu e do Felipe, ele emendou sem vacilar duas vezes 1. d4. Estranha coincidência - será que ele tinha combinado alguma coisa com o Vescovi? Nunca saberemos.

Depois disso ele foi dar autógrafos e entrevistas para os muitos fãs e jornalistas ali presentes. Enquanto isso, Vescovi ia de mesa em mesa firmemente realizando seus lances. Postura ereta, rosto tranquilo, simpático e amistoso de olhar impenetrável. Mudou um pouco de expressão a partir do 15º lance de nossa partida, vejamos uma pequena análise ilustrada:

1. d4!!! O primeiro lance mais forte que já recebi na vida.


Fiquei com medo de me machucar com os estilhaços.


Felicidade.

1.... Cf6 2. c4 e6 3. Cf3 d5 4. Cc3 Be7 5. Bf4 c6 6. e3 0-0 7. Dc2 Cbd7 8. Td1 a6 9. c5 Quem sou eu pra criticar um lance de um GM, ainda mais um da envergadura do Vescovi, mas não gostei desse lance. A razão me parece simples: o rei do branco ainda está no centro e o bispo-rei ainda se encontra na sua casa original, ou seja, há um atraso que salta aos olhos no desenvolvimento na ala do rei. Com 9. c5 o preto já começa a bater num ponto de ruptura importante em b6, ganhando tempo no desnvolvimento de sua ala da dama. Os problemas de desenvolvimento do preto parecem ser facilmente resolvidos, o que já é uma vitória.

9. ... b6 10. b4 a5 11. a3 h6 12. Bd3 axb5 13. axb5 bxc5 14. bxc5 Da5 melhor é Ta3, seguido de Da5. 15. 0-0 Ba6 16. Tb1 Nesse momento, Vescovi quase que joga um lance que colocaria a partida imediatamente em sérios apuros. Ele foi com sua torre até a1 e parou ela por um segundo, quase largando a peça, mas calculou em velocidade instântanea - acredito que mais com a força de sua intuição do que pelo cálculo matemático puro- 16.... Bxd3 17. Dxd3 Dxa1 18. Txa1 Txa1 19. Cd1 e voltou sua torre uma casa para o lado: então eu pude voltar a respirar. Eis a prova irrefutável:


Casi, casi!
Perceba o semblante de quem não gostou do que viu.


16. ... Bxd3 17. Dxd3 Te8 Esse é um lance chave. Embora ele não faça nada de fato importante, tem a virtude de deixar as coisas como estão, "mantendo" o status quo da posição (talvez já mantenha também um olho no apoio de um quase impossível e5 no futuro) e ameaçar o imediato Bxc5, caso as brancas não façam nada a esse respeito. 18. h3 E vescovi não fez. Acredito que ele não tenha visto a tomada em c5 e como eu tinha feito no lance anterior, realizou um lance de espera que tem a virtude de guardar a casa h2 para o bispo, caso as negras jogam algo como Ch5 em algum momento.

18. ... Bxc5 Agora a partida começa a ficar difícil para Vescovi. Ainda mais se formos ver pelo lado da simultânea. Mesmo sendo um Grande Mestre de tal envergadura, ele precisa de concentração para encontrar a solução de alguns problemas. E nesse caso ele ainda tinha que lidar com mais 19 mesas, sendo que a partida do Felipe Menna Barreto parecia que ia ser longa. Aqui vai uma sequência de fotos esclarecedoras:

Vescovi e Kasparov contemplam 18. ... Bxc5


Vescovi responde e Kasparov sente que a coisa tá feia.

Continua incrédulo olhando para a partida.

E permance observando mesmo com o Vescovi já longe.

Enquanto Vescovi refletia sobre o lance que acabara de receber, Kasparov olhava pra nossa posição, fazia cara de que não estava gostando nada e sussurrava algumas palavras indecifráveis no ouvido de Vescovi, às quais ele respondeu claramente da seguinte maneira. "We are going to find something.!" (nós vamos encontrar alguma coisa). Me senti tão orgulhoso com esse "Nós" que mal pude caber em mim. O melhor jogador do Brasil e o melhor de todos os tempos do mundo unidos para me derrotar. Acho que eu já poderia anunciar minha aposentadoria dessa minha curta carreira de enxadrista realizado, não?


Posição após o 18º lance das pretas.


To be continued...

9 comentários:

  1. Eider,

    Aposentadoria? Muito pelo contrario!!
    Ferro neles!! :)

    Abraço

    Krüger

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  2. Não tem como pôr a partida no tabuleirinho aquele de ir clicando? :)

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  3. Aposentadoria jamais!Lembre-se sempre do nosso exemplo maior o russo erradicado hoje na Suíça Viktor Korchnoi.Jogando com quase 80 anos e ainda chama o Caruana de moleque!Que experiência meu caro!Maior justiça de todos os tempos é que Eider Tiago Cruz jogou essa simultânea,se ficasse de fora seria exatamente o oposto.Segue firm meu amigo,meu irmão,pois apesar de tropeços o xadrez é feito para ti e cada dia dás provas disso.Eiderich Yaacov Cruzeirov o Homem-de-Ferro dos pampas.The best of RS!
    Sem mais!
    MBS.

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  4. Acho que o discípulo está superando o mestre finalmente! hehehehe

    Parabéns Eider Tiago da Cruz!

    Um dia será tão adimirado pelos enxadristas quanto adimira esse tal de Kaspa...

    Mas mantenha sua postura de guerreiro e cuide para que o sucesso que te espera não suba a cabeça, é só o que te peço, porque você merece!

    Abraços!

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  5. Parabéns amigo !!! Estou orgulhoso por você. As fotos do 18. ... Bxc5 são sensacionais. A evidente admiração do mestre dos magos faz de você a lenda gaúcha !

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  6. Parabéns!!!!!!!!! "Casi, casi" e a "a coisa tá feia", foi demais! Sucesso!!! Abração deste discípulo!!!! uahsuahsaushausha =]

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  7. Ótima postagem, cara!
    Desde já deixo o convite para também colocarmos essa postagem no site XG. Com visualizador em JAVA e os comentários. Aguardo! Abraço e parabéns!

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  8. Parabéns Eider, muito legal o post.
    Abraços

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